De origem
humilde no Tocantins, Luiz Fernando acha refúgio no futebol e tem rápida
ascensão após quase desistir da carreira: "Paro para pensar de onde saí e
onde estou, tudo que passei valeu a pena"
O futebol era só um lazer na vida de Luiz Fernando
quando Manoel Júnior começou a ouvir de amigos, conhecidos e até de estranhos
em Tocantinópolis, cidade de 23 mil habitantes ao norte de Tocantins e a 530 km
da capital
Palmas:
– Olha, seu
filho é muito bom de bola, viu?
– Ele é
diferenciado dos outros.
– Moço, pode
investir que seu filho tem futuro.
Foi aí que Seu Júnior, como é chamado pelos mais
chegados da família, começou a levar a sério essa história de o filho ser
jogador profissional. Até então, não passava de um sonho distante. O menino
cresceu batendo bola no quintal da casa da avó, já fugiu da escola para jogar
no terrão com os amigos, e até dentro de casa só tinha olhos para o futebol.
– Não perdia um Globo Esporte. Até eu passei a
gostar. Não assistia a nenhuma novela, era só futebol – brincou a mãe
noveleira Maria Ivonete, mais conhecida como Dona Ivonete.
Luiz sempre foi muito tímido. Era com a bola nos
pés a forma com que conseguia melhor se expressar. E a bola rolando na
televisão era o que lhe prendia a atenção, independentemente do time. Sabe
aquela sensação de não saber o que seria da vida se não existisse alguma coisa?
Desde criança sentia que o futebol era tudo para ele. E parecia ter certeza de
que seu futuro estava nele.
– Nasci querendo jogar bola, passava o dia todinho
jogando. Falei para minha mãe que queria ser jogador, e ela mandava eu estudar.
Disse que ainda iria me ver jogando pela televisão e dar risada.
Luiz Fernando chegou com 17 anos para a base do Atlético-GO (Foto:
Reprodução/TV Anhanguera)
Mas a caminhada se assemelha a de muitos jogadores
no início de suas carreiras: de origem humilde e muitas dificuldades. Ainda
menino, começou como gandula no Tocantinópolis Esporte Clube, onde o pai
havia jogado amadoramente. Quando teve idade para integrar o sub-20, passou
na peneira de tênis, sequer chuteira tinha. Na hora de escolher posição,
nem titubeou:
– Desde moleque jogava querendo fazer gol. Era do
meio para a frente, meia ou atacante.
E logo no primeiro ano, foi artilheiro do time com
sete gols e eleito revelação em um torneio regional. E antes de completar 18
anos, o presidente do Tocantinópolis E.C., Sallim Milhomem, conseguiu um teste
para ele e Matheus, outro garoto do clube, no Atlético-GO. Luiz Fernando
viajou os quase 1.300 km até Goiânia com o amigo e o pai dele, mas só o
filho do Seu Júnior ficou.
A alegria da
família logo esbarrou em novas dificuldades. Financeiras:
– No começo o Atlético-GO não tinha sede própria,
era em Inhumas, no interior, e a gente que bancava os filhos lá. Foi quase
um ano assim, tinha que pagar alimentação para ficar lá. Todo mês fazia
uma vaquinha na família para pagar – relatou Seu Júnior.
E emocionais.
Luiz nunca tinha passado uma noite fora de casa até então.
– Chorava demais. Ligava: "Mãe, falando sério,
fala com meu pai que quero ir embora". Aí eu chorava e pedia para
mandar dinheiro para o menino voltar, mas ele dizia: "Não, ele disse
que quer jogar bola, ser jogador. Vai ficar lá" – recorda Dona
Ivonete, emocionada.
Amparo dos pais, Seu Júnior e Dona Ivonete, foi fundamental para a
carreira (Foto: Thiago Lima)
Com mais dois filhos – Jailson, o mais velho, e
Juliana, a irmã caçula –, os pais não podiam deixar Tocantinópolis
para ficar em outro estado. E a promissora carreira de Luiz Fernando ficou
por um fio. Mas Seu Júnior conseguiu um acordo no serviço para folgar e
passar 15 dias perto do garoto, na casa de conhecidos em Goiânia.
Com o amparo familiar, o meia-atacante se destacou
na Copa São Paulo de Futebol Júnior, com três gols em três jogos, e no
mesmo ano foi alçado ao time principal do Atlético-GO, passando a ficar em
um alojamento com mais estrutura e a receber ajuda de custo do clube para
se manter. Foi aí que o menino do interior decolou após quase desistir do
futebol.
– Foi a primeira vez que saí de casa sozinho, sem
meus pais, uma dificuldade danada. Chorava quase toda noite para querer ir
embora mesmo. Se não fosse meu pai e a família dando força, tinha voltado
para casa – admitiu o garoto, hoje campeão carioca.
O menino do interior do Tocantins dono da medalha de campeão carioca
(Foto: Thiago Lima)
A rápida ascensão:
- Revelado no
Atlético-GO, foi promovido aos profissionais no início de 2016, logo após
ir bem pelo time sub-20 do Dragão na Copinha;
- Marcou o gol
da vitória por 1 a 0 em seu primeiro teste na equipe principal, contra o
Luziânia no estádio Antônio Accioly, durante a pré-temporada;
- Fez 10 gols
em 42 jogos em 2016 e virou peça importante na conquista do título da
Série B, quando se tornou uma espécie de talismã, sempre saindo muito bem
do banco;
- Em 2017, teve
um início discreto no Campeonato Goiano; mas na reta final do
Brasileiro viveu seu melhor momento e foi o artilheiro do time na
temporada com nove gols;
- Em 2018, também oscilou em seu início no Botafogo, mas aos
poucos vem se soltando. Aos 21 anos, virou titular e já deu uma
assistência e marcou dois gols em 17 jogos.
Luiz Fernando foi o artilheiro do Atlético-GO em 2017 com nove gols (Foto: Estadão Conteúdo)
A ESCOLHA
PELO BOTAFOGO
Luiz fazia coleção de camisas quando adolescente e já tirou foto com a do Fla (Foto: Divulgação/ rede social
A camisa rubro-negra que usou para tirar foto quando adolescente – Luiz já alegou que colecionava uniformes na época, e não que era torcedor do Famengo – não pesou. Embora o clube rival tenha oferecido ao Atlético-GO uma quantia até um pouco maior, o consenso entre o jovem e a família foi pelo Alvinegro.
– Meu
empresário Rodrigo (Pitta) comentou que o Flamengo tinha sondado também. A
gente sentou com meus pais para ver o que seria melhor. Toda a família
conversou, e decidimos ir para o Botafogo. E estou muito feliz aqui – revelou o
meia-atacante.
– A gente achou
melhor em termos de oportunidades. O Jair (Ventura) foi quem pediu, mas logo
depois ele saiu e nem chegamos a conversar – explicou Seu Júnior.
Família de Luiz
Fernando e amigos viraram torcedores do Botafogo à distância (Foto: Arquivo
Pessoal)
A decisão de
Luiz Fernando afetou toda a pequena cidade do interior do Tocantis, que
no mapa de curtidas pelo "Facebook" tem ampla preferência pelo
Flamengo em sua população, com 47,3% dos cerca de 23 mil habitantes.
Praticamente metade do município é rubro-negro, mas isso antes da contratação.
Segundo a família, muitos viraram botafoguenses para torcer pelo conterrâneo:
– Cidade toda
virou botafoguense agora – afirmou o jogador, que mantém contato com a família
e os amigos no Tocantins via "WhatsApp".
TIMIDEZ X PERSONALIDADE
Luiz Fernando foi
quem "deu o troco" ao "chororô" de Vinícius Júnior (Foto:
Vitor Silva / SS Press / BFR)
Ainda tímido
diante das câmeras, Luiz provou que dá para ter personalidade mesmo com a
timidez. Ao fazer o gol que eliminou o Flamengo na semifinal do Campeonato
Carioca, comemorou com o dedo tampando o nariz, em alusão ao termo
"cheirinho de título" criado pela torcida rubro-negra. Todos sabem
que foi uma clara resposta ao "chororô" de Vinícius Júnior na
semifinal da Taça Guanabara. Mas engana-se quem acha que foi algo planejado no
vestiário para "dar o troco".
– Partiu de mim
mesmo, espontâneo. No jogo nem pensava em fazer isso, mas depois que fiz o gol
veio do nada aquela comemoração ali (risos). Foi bacana – divertiu-se o
meia-atacante, que considera ter sido um dos gols mais importantes da carreira
junto com outro no Atlético-GO:
– Um dos mais
importantes da minha carreira. Esse e o que fiz pelo Atlético-GO contra o
Londrina, o gol do acesso em 2016. Estava no banco, entrei e pude fazer o
gol (veja no vídeo abaixo).
Gol do Atlético-GO!Luiz Fernando estufa as redes e define acesso
Se em campo
Luiz Fernando se transforma e deixa a timidez de lado, fora das quatro linhas
ele ainda se acostuma ao maior assédio no Botafogo. Da imprensa e da torcida,
que passou a tietá-lo nas ruas. Só não peça a ele para fazer foto do "cheirinho"
para zoar os amigos rubro-negros:
– O gol mudou
muita coisa, até em termos de timidez, depois fui ganhando mais confiança. Na
rua o povo fala comigo, reconhece, pede para tirar foto. O que mais pede é para
tirar foto assim (tampando o nariz), mas falo que não, só foto normal. Se for
na lábia deles, é toda hora foto assim (risos) – brincou, vendo como
coincidência o fato de seus gols começarem a sair com Valentim:
Com Valentim, Luiz
Fernando passou a jogar na direita e vem fazendo gols (Foto: André Durão)
– Acho que está
acontecendo naturalmente. Quando não estava fazendo gol me cobrava bastante, o
que até atrapalhava, essa ansiedade de querer fazer o primeiro. Torcedor
falando para você que tinha que render, que foi a contratação mais cara... Isso
vai causando ansiedade. Graças a Deus vieram na hora certa – vibrou Luiz,
orgulho da família:
– Estou muito
orgulhoso. Que venham mais gols no Brasileiro, porque ele sabe fazer gol –
avisou Seu Júnior.
CASEIRO
NO RIO DE JANEIRO
Luiz Fernando
continua como desfalque do time na estreia do Campeonoato Brasileiro, nesta
segunda-feira, contra o Palmeiras no Nilton Santos. Com uma entorse no
tornozelo direito, o meia-atacante está em tratamento intensivo para voltar
logo, das 8h às 17h no clube e à noite em casa, com aparelhagem do departamento
médico alvinegro. E como ele é em casa?
Luiz ao lado da
namorada Laila, que mora em Goiânia e vem visitá-lo (Foto: Thiago Lima)
O jovem, que
recebeu a visita dos pais na semana passada, abriu também as portas de seu
apartamento na Barra da Tijuca, Zona Oeste do Rio de Janeiro, para a reportagem
do GloboEsporte.com. Na televisão da sala, óbvio, passava futebol: Real Madrid
x Juventus.
– Fora de campo
sou muito brincalhão com os amigos, família, gosto de ficar em casa vendo
televisão, jogando futebol no videogame. Vejo futebol direto, ao vivo, VT...
Tudo é futebol.
Caseiro, jovem sai
de casa mais para comer com amigos ou ir à praia (Foto: Divulgação)
Junto com os
pais, veio a namorada Laila, que mora em Goiânia, e ambos precisam lidar com um
relacionamento à distância. Mas a moça não tem motivos para ter ciúmes. Luiz é
totalmente caseiro no Rio de Janeiro – parafraseando a música "Solteiro no
Rio de Janeiro", da banda Cidade Negra. Sair de casa só mesmo para comer
ou pegar uma praia, ainda não visitou nenhum ponto turístico.
– Fui na Prainha,
aqui na Barra mesmo. Não fui no Cristo Redentor ainda, vai ser o primeiro lugar
a visitar. Passo lá perto e fico só admirando. Quando tiver um tempo vou lá
conhecer.
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