segunda-feira, 16 de abril de 2018

A história do garoto do interior que driblou a timidez pela bola e preferiu o Bota ao Fla


De origem humilde no Tocantins, Luiz Fernando acha refúgio no futebol e tem rápida ascensão após quase desistir da carreira: "Paro para pensar de onde saí e onde estou, tudo que passei valeu a pena"


O futebol era só um lazer na vida de Luiz Fernando quando Manoel Júnior começou a ouvir de amigos, conhecidos e até de estranhos em Tocantinópolis, cidade de 23 mil habitantes ao norte de Tocantins e a 530 km da capital 
Palmas:
– Olha, seu filho é muito bom de bola, viu?
– Ele é diferenciado dos outros.
– Moço, pode investir que seu filho tem futuro.
Foi aí que Seu Júnior, como é chamado pelos mais chegados da família, começou a levar a sério essa história de o filho ser jogador profissional. Até então, não passava de um sonho distante. O menino cresceu batendo bola no quintal da casa da avó, já fugiu da escola para jogar no terrão com os amigos, e até dentro de casa só tinha olhos para o futebol.

– Não perdia um Globo Esporte. Até eu passei a gostar. Não assistia a nenhuma novela, era só futebol – brincou a mãe noveleira Maria Ivonete, mais conhecida como Dona Ivonete.

Luiz sempre foi muito tímido. Era com a bola nos pés a forma com que conseguia melhor se expressar. E a bola rolando na televisão era o que lhe prendia a atenção, independentemente do time. Sabe aquela sensação de não saber o que seria da vida se não existisse alguma coisa? Desde criança sentia que o futebol era tudo para ele. E parecia ter certeza de que seu futuro estava nele.
– Nasci querendo jogar bola, passava o dia todinho jogando. Falei para minha mãe que queria ser jogador, e ela mandava eu estudar. Disse que  ainda iria me ver jogando pela televisão e dar risada.


Luiz Fernando chegou com 17 anos para a base do Atlético-GO (Foto: Reprodução/TV Anhanguera)

Mas a caminhada se assemelha a de muitos jogadores no início de suas carreiras: de origem humilde e muitas dificuldades. Ainda menino, começou como gandula no Tocantinópolis Esporte Clube, onde o pai havia jogado amadoramente. Quando teve idade para integrar o sub-20, passou na peneira de tênis, sequer chuteira tinha. Na hora de escolher posição, nem titubeou:

– Desde moleque jogava querendo fazer gol. Era do meio para a frente, meia ou atacante.

E logo no primeiro ano, foi artilheiro do time com sete gols e eleito revelação em um torneio regional. E antes de completar 18 anos, o presidente do Tocantinópolis E.C., Sallim Milhomem, conseguiu um teste para ele e Matheus, outro garoto do clube, no Atlético-GO. Luiz Fernando viajou os quase 1.300 km até Goiânia com o amigo e o pai dele, mas só o filho do Seu Júnior ficou.

A alegria da família logo esbarrou em novas dificuldades. Financeiras:
– No começo o Atlético-GO não tinha sede própria, era em Inhumas, no interior, e a gente que bancava os filhos lá. Foi quase um ano assim, tinha que pagar alimentação para ficar lá. Todo mês fazia uma vaquinha na família para pagar – relatou Seu Júnior.

E emocionais. Luiz nunca tinha passado uma noite fora de casa até então.
– Chorava demais. Ligava: "Mãe, falando sério, fala com meu pai que quero ir embora". Aí eu chorava e pedia para mandar dinheiro para o menino voltar, mas ele dizia: "Não, ele disse que quer jogar bola, ser jogador. Vai ficar lá" – recorda Dona Ivonete, emocionada.


Amparo dos pais, Seu Júnior e Dona Ivonete, foi fundamental para a carreira (Foto: Thiago Lima)

Com mais dois filhos – Jailson, o mais velho, e Juliana, a irmã caçula –, os pais não podiam deixar Tocantinópolis para ficar em outro estado. E a promissora carreira de Luiz Fernando ficou por um fio. Mas Seu Júnior conseguiu um acordo no serviço para folgar e passar 15 dias perto do garoto, na casa de conhecidos em Goiânia.

Com o amparo familiar, o meia-atacante se destacou na Copa São Paulo de Futebol Júnior, com três gols em três jogos, e no mesmo ano foi alçado ao time principal do Atlético-GO, passando a ficar em um alojamento com mais estrutura e a receber ajuda de custo do clube para se manter. Foi aí que o menino do interior decolou após quase desistir do futebol.

– Foi a primeira vez que saí de casa sozinho, sem meus pais, uma dificuldade danada. Chorava quase toda noite para querer ir embora mesmo. Se não fosse meu pai e a família dando força, tinha voltado para  casa – admitiu o garoto, hoje campeão carioca.


O menino do interior do Tocantins dono da medalha de campeão carioca (Foto: Thiago Lima)

A rápida ascensão:

- Revelado no Atlético-GO, foi promovido aos profissionais no início de 2016, logo após ir bem pelo time sub-20 do Dragão na Copinha;
- Marcou o gol da vitória por 1 a 0 em seu primeiro teste na equipe principal, contra o Luziânia no estádio Antônio Accioly, durante a pré-temporada;
- Fez 10 gols em 42 jogos em 2016 e virou peça importante na conquista do título da Série B, quando se tornou uma espécie de talismã, sempre saindo muito bem do banco;
- Em 2017, teve um início discreto no Campeonato Goiano; mas na reta  final do Brasileiro viveu seu melhor momento e foi o artilheiro do time na temporada com nove gols;
- Em 2018, também oscilou em seu início no Botafogo, mas aos 
poucos vem se soltando. Aos 21 anos, virou titular e já deu uma 
assistência e marcou dois gols em 17 jogos.


Luiz Fernando foi o artilheiro do Atlético-GO em 2017 com nove gols (Foto: Estadão Conteúdo)

A ESCOLHA PELO BOTAFOGO


Luiz fazia coleção de camisas quando adolescente e já tirou foto com a do Fla (Foto: Divulgação/ rede social 

   Após aparecer no cenário nacional, Luiz Fernando foi comprado pelo Botafogo por R$     2,5 milhões, em transação que envolveu também 20% dos direitos econômicos de Fernandes e 40% dos de Vinícius Tanque, ambos cedidos por empréstimo ao Atlético-GO. O jovem assinou contrato por quatro anos em General Severiano, mas antes esteve também perto de ir para o Flamengo.

A camisa rubro-negra que usou para tirar foto quando adolescente – Luiz já alegou que colecionava uniformes na época, e não que era torcedor do Famengo – não pesou. Embora o clube rival tenha oferecido ao Atlético-GO uma quantia até um pouco maior, o consenso entre o jovem e a família foi pelo Alvinegro.

– Meu empresário Rodrigo (Pitta) comentou que o Flamengo tinha sondado também. A gente sentou com meus pais para ver o que seria melhor. Toda a família conversou, e decidimos ir para o Botafogo. E estou muito feliz aqui – revelou o meia-atacante.
– A gente achou melhor em termos de oportunidades. O Jair (Ventura) foi quem pediu, mas logo depois ele saiu e nem chegamos a conversar – explicou Seu Júnior.


Família de Luiz Fernando e amigos viraram torcedores do Botafogo à distância (Foto: Arquivo Pessoal)

A decisão de Luiz Fernando afetou toda a pequena cidade do interior do Tocantis, que no mapa de curtidas pelo "Facebook" tem ampla preferência pelo Flamengo em sua população, com 47,3% dos cerca de 23 mil habitantes. Praticamente metade do município é rubro-negro, mas isso antes da contratação. Segundo a família, muitos viraram botafoguenses para torcer pelo conterrâneo:
– Cidade toda virou botafoguense agora – afirmou o jogador, que mantém contato com a família e os amigos no Tocantins via "WhatsApp".

TIMIDEZ X PERSONALIDADE


Luiz Fernando foi quem "deu o troco" ao "chororô" de Vinícius Júnior (Foto: Vitor Silva / SS Press / BFR)

Ainda tímido diante das câmeras, Luiz provou que dá para ter personalidade mesmo com a timidez. Ao fazer o gol que eliminou o Flamengo na semifinal do Campeonato Carioca, comemorou com o dedo tampando o nariz, em alusão ao termo "cheirinho de título" criado pela torcida rubro-negra. Todos sabem que foi uma clara resposta ao "chororô" de Vinícius Júnior na semifinal da Taça Guanabara. Mas engana-se quem acha que foi algo planejado no vestiário para "dar o troco".
– Partiu de mim mesmo, espontâneo. No jogo nem pensava em fazer isso, mas depois que fiz o gol veio do nada aquela comemoração ali (risos). Foi bacana – divertiu-se o meia-atacante, que considera ter sido um dos gols mais importantes da carreira junto com outro no Atlético-GO:
– Um dos mais importantes da minha carreira. Esse e o que fiz pelo Atlético-GO contra o Londrina, o gol do acesso em 2016. Estava no banco, entrei e pude fazer o gol (veja no vídeo abaixo).

Gol do Atlético-GO!Luiz Fernando estufa as redes e define acesso


Se em campo Luiz Fernando se transforma e deixa a timidez de lado, fora das quatro linhas ele ainda se acostuma ao maior assédio no Botafogo. Da imprensa e da torcida, que passou a tietá-lo nas ruas. Só não peça a ele para fazer foto do "cheirinho" para zoar os amigos rubro-negros:

– O gol mudou muita coisa, até em termos de timidez, depois fui ganhando mais confiança. Na rua o povo fala comigo, reconhece, pede para tirar foto. O que mais pede é para tirar foto assim (tampando o nariz), mas falo que não, só foto normal. Se for na lábia deles, é toda hora foto assim (risos) – brincou, vendo como coincidência o fato de seus gols começarem a sair com Valentim:


Com Valentim, Luiz Fernando passou a jogar na direita e vem fazendo gols (Foto: André Durão)

– Acho que está acontecendo naturalmente. Quando não estava fazendo gol me cobrava bastante, o que até atrapalhava, essa ansiedade de querer fazer o primeiro. Torcedor falando para você que tinha que render, que foi a contratação mais cara... Isso vai causando ansiedade. Graças a Deus vieram na hora certa – vibrou Luiz, orgulho da família:

– Estou muito orgulhoso. Que venham mais gols no Brasileiro, porque ele sabe fazer gol – avisou Seu Júnior.

CASEIRO NO RIO DE JANEIRO
Luiz Fernando continua como desfalque do time na estreia do Campeonoato Brasileiro, nesta segunda-feira, contra o Palmeiras no Nilton Santos. Com uma entorse no tornozelo direito, o meia-atacante está em tratamento intensivo para voltar logo, das 8h às 17h no clube e à noite em casa, com aparelhagem do departamento médico alvinegro. E como ele é em casa?


Luiz ao lado da namorada Laila, que mora em Goiânia e vem visitá-lo (Foto: Thiago Lima)

O jovem, que recebeu a visita dos pais na semana passada, abriu também as portas de seu apartamento na Barra da Tijuca, Zona Oeste do Rio de Janeiro, para a reportagem do GloboEsporte.com. Na televisão da sala, óbvio, passava futebol: Real Madrid x Juventus.

– Fora de campo sou muito brincalhão com os amigos, família, gosto de ficar em casa vendo televisão, jogando futebol no videogame. Vejo futebol direto, ao vivo, VT... Tudo é futebol.


Caseiro, jovem sai de casa mais para comer com amigos ou ir à praia (Foto: Divulgação)

Junto com os pais, veio a namorada Laila, que mora em Goiânia, e ambos precisam lidar com um relacionamento à distância. Mas a moça não tem motivos para ter ciúmes. Luiz é totalmente caseiro no Rio de Janeiro – parafraseando a música "Solteiro no Rio de Janeiro", da banda Cidade Negra. Sair de casa só mesmo para comer ou pegar uma praia, ainda não visitou nenhum ponto turístico.
– Fui na Prainha, aqui na Barra mesmo. Não fui no Cristo Redentor ainda, vai ser o primeiro lugar a visitar. Passo lá perto e fico só admirando. Quando tiver um tempo vou lá conhecer.


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