A RUSADA (Agência Russa Antidoping) anunciou nesta segunda-feira (25)
que não irá contestar a decisão do CAS (Corte Arbitral do Esporte) que proibiu
a Rússia de participar de competições internacionais pelos próximos dois anos
por conta do escândalo de doping em atletas. Apesar de não concordar, a agência
aceitou cumprir a punição.
"A decisão de não recorrer fortalece o sistema interno esportivo, a
lex sportiva. Porém, é necessário que as autoridades russas trabalhem para
retomar a credibilidade e também para garantir que os atletas, sobre os quais
não recaem nenhuma condenação, não sejam ainda mais prejudicados", avalia
Vinícius Calixto, advogado especialista em direito desportivo e autor do livro
Lex Sportiva e Direitos Humanos.
O escândalo de doping em atletas russos abalou
o esporte mundial. A sanção é considerada histórica e um marco na luta contra o
uso de substâncias proibidas para vantagens esportivas.
"As medidas
determinadas pelo painel do CAS representam um marco no combate à dopagem,
sobretudo pela gravidade do caso concreto e pela relevância da Rússia em
diversas modalidades esportivas", afirma Pedro Henrique Mendonça, advogado
especialista em direito desportivo e colunista do Lei em Campo.
"É uma
medida de caráter pedagógico, demonstrando aos demais países que eles também
serão punidos se seguirem o exemplo da Rússia", completa Martinho Miranda,
advogado especializado em direito desportivo.
Proferida no dia 17 de dezembro,
a decisão do CAS foi favorável a condenação aplicada pela WADA (Agência Mundial
Antidoping), no final de 2019, em que proibiu a Rússia de participar de qualquer
competição internacional pelos próximos quatros anos. No entanto, a instância
jurídica mais alta do esporte optou por reduzir a punição para dois anos,
valendo de 17 de dezembro de 2021 a 16 dezembro de 2022.
Na decisão, o tribunal
proibiu que "a bandeira da Federação Russa (atual ou histórica) seja
transportada ou exibida em qualquer local oficial ou área controlada" em
qualquer evento de porte mundial. O hino nacional do país também não poderá ser
"tocado ou cantando em nenhum local oficial de eventos" durante o
período.
Dessa forma, os atletas a nível olímpico da Rússia que quiserem
participar dos Jogos Olímpicos de Tóquio 2021 e de Pequim 2022 (inverno), terão
de provar que não fizeram parte do esquema de doping e que estão limpos,
podendo competir individualmente sob a bandeira neutra.
Esse tipo de situação
não é nenhuma novidade no esporte. Na Olimpíada do Rio de 2016 e nos Jogos
Olímpicos de Inverno de 2018, em Pyeongchang, atletas russos disputaram dessa
forma, sob uma bandeira sem identidade.
Já para a Copa do Mundo do Catar 2022,
ainda há muitas dúvidas em relação ao que a Fifa vai dizer. A entidade máxima
do futebol ainda não se manifestou oficialmente sobre a participação da Rússia
na principal competição de futebol do planeta.
Especialistas ouvidos pelo Lei
em Campo afirmam que o país teria que ficar de fora do evento, uma vez que o
período da suspensão ainda estará em vigor. "Como a data da Copa do Mundo
de 2022 está dentro do período de punição, a Rússia estará de fora desta
edição", ressalta Martinho Miranda.
Um dos caminhos para a Rússia tentar
anular, suspender ou reduzir a sanção imposta pelo CAS seria através do
Tribunal Federal Suíço. Porém, como contou o Lei em Campo, as chances eram
remotas. Assim, o país ficará de fora da Olimpíada de Tóquio 2021, Jogos
Olímpicos de Pequim 2022 (inverno) e Copa do Mundo do Catar 2022.
Relembre o caso
Um documentário exibido na televisão alemã provocou a maior
crise da história do esporte. Medalhas confiscadas. Ídolos desmoralizados. Uma
potência desmascarada. A corajosa delação de Yulia Stepanova e do marido, o
treinador de atletismo Vitaly Stepanova, estremeceu o mundo do esporte e
desencadeou uma avalanche de processos judiciais.
O documentário mostrou um
esquema estatal de doping. O Estado russo produzindo campeões de maneira
ilícita. A partir dele, dezenas de pessoas passaram a falar. O ex-diretor do
laboratório antidoping de Moscou, Grigory Rodchenkov, exilado nos Estados
Unidos por motivos de segurança, revelou ao New York Times que os Jogos
Olímpicos de Inverno de Sochi 2014 foram manchados por um escândalo de doping
em grande escala. Rodchenkov acusou inclusive o serviço secreto russo de ter
trocado amostras suspeitas e afirmou que ao menos 15 medalhistas russos nesses
Jogos de Inverno eram dopados.
O canal alemão ARD e o jornal britânico The Sunday
Times citaram, um outro documentário, alguns meses depois da delação de Yulia,
uma lista de atletas suspeitos em cerca de 5 mil de 12 mil amostras colhidas em
medalhistas das últimas edições dos Mundiais e das Olimpíadas. Com as acusações
brotando por todos os lados, COI, Federação Internacional de Atletismo,
federações internacionais e WADA passaram a agir.
Em agosto de 2015, a agência
antidoping, WADA, divulgou as primeiras conclusões da
investigação, com duras acusações de "doping organizado" na Rússia,
com envolvimento dos mais altos escalões do Estado, inclusive do serviço
secreto. Os casos de doping "não poderiam ter existido" sem o
consentimento do governo, dizia a comissão, que concluiu pedindo uma medida
drástica: a suspensão do atletismo russo de todas as competições
internacionais, inclusive os Jogos do Rio.
Em Sochi, o presidente russo, Vladimir Putin, tentou colocar
panos quentes, garantindo total colaboração das autoridades do país e pedindo
uma investigação interna. E reforçou pedido para que punições fossem
individuais, não coletivas.
Mesmo assim, em novembro de 2015, o Conselho da
Federação Internacional de Atletismo suspendeu de maneira provisória a
Federação Russa de Atletismo. A possibilidade de a potência olímpica ficar de
fora dos Jogos do Rio 2016 era real. Em março, a suspensão foi mantida.
Em
julho, às vésperas dos Jogos do Rio, o relatório McLaren, divulgado a pedido da
WADA, foi duro com a Rússia. Ele denunciou um "sistema de doping de
Estado" que atingiu 30 esportes na Rússia, de 2011 a 2015, principalmente
nos Jogos de Sochi e no Mundial de Atletismo de Moscou em 2013.
Não só
atletismo. COI em apuros. Tribunal Arbitral do Esporte analisando, dias antes
da Olimpíada, dezenas de casos de atletas que tentavam conseguir na Justiça o
direito de competir. Em início de julho de 2016, eram 68 atletas russos com
pedidos no CAS para derrubar a suspensão da IAAF.
Assustada e apertada pelos
prazos, a comissão executiva do COI anunciou que iria "explorar todas as
opções jurídicas", entre exclusão coletiva de todos os esportistas russos
e "direito à justiça individual". Concretamente, o COI explicou que
"a admissão de cada atleta russo terá de ser decidida pela federação
internacional do seu esporte, com base na análise individual dos exames
antidoping aos quais foi submetido em nível internacional". O COI esperava
pelo CAS.
No final de julho, o Tribunal Arbitral do Esporte rejeitou recurso
contra a suspensão da Federação Internacional de Atletismo. A Rússia não iria
mesmo competir nos Jogos do Rio 2016 no atletismo. Por decisão do Comitê
Olímpico Internacional, temendo mais processos judiciais, o Comitê Olímpico
Russo (ROC) não foi suspenso. A entidade deixou por conta das federações
internacionais de cada modalidade a responsabilidade de avaliar a participação
dos atletas individualmente, desde que atendendo critérios rigorosos.
Entre as atletas que tentavam competir no Rio via CAS estava
Yelena Isinbayeva. A bicampeã olímpica do salto com vara feminino e um dos
maiores nomes do mundo no atletismo não fora flagrada em doping. Mesmo assim, o
Comitê Olímpico determinou que todos os atletas russos, de qualquer esporte,
teriam de comprovar sua elegibilidade dentro de um "processo rígido".
A IAAF também determinou que, mesmo com o atleta conseguindo o direito de
competir, não permitiria o uso da bandeira russa nos jogos na competição de
atletismo. Se houvesse exceção a um russo, ele teria de competir com bandeira
neutra. Yelena disse que não aceitaria e disparou: "Obrigada a todos por
enterrar o atletismo. Tudo isso é meramente político". A atleta reforçou o
discurso do governo russo.
Ainda hoje há discussão jurídica no CAS em função da
delação de Yulia e do marido. Medalhas saem e voltam para as mãos de atletas
russos. O esquema estatal de doping foi desmascarado e provocou vítimas em
todos os lados. Tirou a lisura das conquistas, feriu o espírito olímpico e
provocou uma avalanche de processos.
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