Poucas semanas separavam Guilherme
Costa, 21, da prova seletiva que poderia garantir sua participação nos Jogos de
Tóquio, então previstos para começar em julho deste ano. O jovem nadador estava
pronto para assegurar uma vaga na sua primeira Olimpíada, e bastava repetir os
bons índices que vinha alcançando em competições anteriores na prova do Troféu
Brasil, marcado para abril.
Aos 30 anos, o corredor Ederson Vilela
treinava para conseguir vaga na maratona olímpica, inédita para ele, após uma
carreira consagrada nas corridas de 10.000 m. O plano era conseguir marca
classificatória numa prova em Viena, na Áustria, também em abril.
Rebeca Silva,19, se preparava para
enfrentar mais dois campeonatos mundiais, um na Itália e outro na Inglaterra,
para ter a chance de representar o judô paralímpico brasileiro no Japão. O
início da competição voltada a desportistas com deficiência estava previsto
para agosto.
Com a chegada da pandemia e o adiamento
do calendário esportivo, porém, os atletas viram seus planos adiados e tiveram
que buscar maneiras de manter a preparação física e lidar com as incertezas
sobre o futuro. "Estamos esperando por uma definição do calendário de
provas no Brasil. O que move os atletas são as competições, então a ansiedade
pela volta delas está bem alta", diz Ederson, que foi medalha de ouro nos
Jogos Pan-Americanos de 2019, em Lima.
Por causa do fechamento dos clubes esportivos,
o corredor voltou à sua terra natal, Caçapava (SP), a 112 km de São Paulo, e
passou a treinar nas ruas. Diariamente, sai da cidade em direção à zona rural,
sempre intercalando sessões de corridas com exercícios de força.
Seu treinador, Cláudio Castilho, que integrou a comissão
brasileira de atletismo nas últimas três Olimpíadas, afirma que a falta de
competições locais poderá prejudicar a preparação para os Jogos de Tóquio, que
foram remarcados para julho e agosto de 2021. "A grande vantagem de outros
países que estão em um nível mais desacelerado da pandemia é que alguns já
estão realizando competições. Na primeira prova oficial, certamente estaremos
um pouco atrás em nível de competitividade", diz.
Guilherme Costa concorda, mas vê no adiamento do calendário
uma oportunidade também: "Ganhei mais um ano para me preparar. Sou novo
ainda, então acho que um ano vai me ajudar bastante". Ele tem realizado
treinos físicos na casa em que mora com os pais, na zona oeste do Rio. Para
aumentar a motivação e não perder o contato com a água, já nadou na piscina do
próprio condomínio, em um clube próximo e, desde julho, voltou ao centro
aquático Maria Lenk, seguindo protocolos sanitários. "Se todo mundo se
dedicar bastante, dá para recuperar", diz.
Diariamente, Rebeca Silva precisa enviar vídeos dos seus
exercícios para os professores da Confederação Brasileira de Desportos de
Deficientes Visuais (CBDV). Ela tem apenas 10% da visão, e conta com
equipamentos improvisados e a ajuda de um irmão desde março para compensar a
pausa dos treinos no centro esportivo de São Bernardo (SP), onde mora.
"Mas nada se compara ao tatame", ela comenta.
Uma pesquisa do Comitê Olímpico Internacional (COI) realizada
em maio mostrou que treinar com eficiência, manter a motivação e cuidar da
saúde mental eram as principais dificuldades dos atletas em quarentena. O
estudo contou com depoimentos de mais de 4.000 esportistas em 135 países,
inclusive o Brasil.
"Aqueles que estavam mais perto da vaga olímpica
sentiram os efeitos psicológicos da pandemia de forma mais intensa", diz o
treinador Castilho. "Quando entenderam a falta de perspectiva, com todas
as provas sendo canceladas, a autoestima e a motivação deles foi lá
embaixo." Em sua equipe, ele mantém psicólogos que monitoram mensalmente
os 13 atletas com quem trabalha. Entre eles, destaca Ederson como um do mais
ansiosos. "Ele vinha se preparando desde o Pan de Lima [em 2019] para
estrear na maratona, por isso estava com uma expectativa grande", diz. O
corredor, ao menos, tem um novo objetivo concreto: em dezembro, em uma prova na
Espanha, tentará a esperada vaga olímpica.
Além dos aspectos físicos e psicológicos, a pandemia também
atingiu financeiramente alguns atletas. Guilherme e Ederson tiveram os salários
reduzidos em 25% nos clubes que representam -Minas Tênis Clube e Esporte Clube
Pinheiros, respectivamente.
O impacto do corte foi reduzido porque os dois
ainda são patrocinados por marcas esportivas e fazem parte do Programa de
Atletas de Alto Rendimento (PAAR) das Forças Armadas. Rebeca não teve sua renda
impactada pela pandemia. O patrocínio da Caixa Econômica Federal foi mantido,
assim como o Bolsa Atleta, programa nacional de incentivo ao esporte financiado
pelo governo federal. A categoria Pódio, à qual está vinculada, concede
benefícios de R$ 5 mil a R$ 15 mil. Com os recursos, ela também sustenta os
pais, desempregados.
A relativa estabilidade dos três atletas, entretanto, não
reflete a condição geral do setor. O arranjo que sustenta o esporte de alto
rendimento no país -formado por comitês, clubes, confederações e federações-
foi duramente atingido pela crise.
Além das reduções de salário, os clubes promoveram demissões
e renegociações de contratos com funcionários e fornecedores. As medidas foram
uma resposta à perda de receitas com eventos, vendas de restaurantes internos e
patrocinadores.
O Pinheiros, por exemplo, um dos celeiros de atletas
olímpicos do país, dispensou a equipe inteira de basquete masculino em abril.
No mês de agosto, a estimativa é de redução de 27%, ou R$ 5,1 milhões,
nas despesas em relação ao orçamento original.
O vice-presidente de formação de atletas do Comitê Brasileiro
de Clubes (CBC), Fernando Matos Cruz, afirmou que a instituição antecipou
recursos aos clubes parceiros para manutenção de contratos dos profissionais do
esporte. No entanto, não foi possível manter todos os acordos firmados durante
a pandemia. Já os repasses mensais de verbas de loterias aos comitês (Olímpico,
Paralímpico e de Clubes), principal fonte de financiamento das organizações,
caíram quase pela metade nos dois primeiros meses de quarentena e alertaram os
dirigentes.
Depois de um decreto editado pelo presidente Jair Bolsonaro
reabrir as lotéricas como serviço essencial, os repasses voltaram a subir -em
julho, alcançaram cerca de 80% dos valores pré-pandemia. No último dia 13, o
Senado aprovou, com mudanças, um projeto de lei de iniciativa da Câmara dos
Deputados que destina até R$ 1,6 bilhão para socorrer o esporte. O projeto
agora terá que ser analisado pelos deputados de novo.
O texto inclui medidas como pagamento, em três
parcelas, de auxílio emergencial a atletas e profissionais de baixa renda,
prorrogação de prazo para prestação de contas de projetos apoiados pela União e
abertura de linhas de crédito para compras de materiais esportivos por empresas
e pessoas físicas ligadas ao setor.
https://www.folhape.com.br/esportes/atletas-se-adaptam-para-buscar-vaga-olimpica-em-meio-a-incertezas/153014/
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