quarta-feira, 27 de julho de 2016

Tiro, porrada e fama: Heber fala de tudo, da careca ao time do coração

Com mais um ano de carreira, árbitro relembra o dia que apanhou, rebate críticas de  Tite, rechaça rótulo de caseiro e traça meta de virar comentarista ou até treinador

Por Londrina, PR

Heber Roberto Lopes no campo onde começou, na Vila Recreio, em Londrina (Fotos: Bernardo Pombo e Rodrigo Saviani)
Londrina, 1985. Um garoto de 13 anos acompanha um jogo de futebol amador perto de casa. O juiz não dá as caras, e ele é chamado pra botar ordem no duelo. Vai bem e começa um caminho que décadas depois tem recorde de jogos apitados no Campeonato Brasileiro, decisão de Copa América, agressão, polêmicas e até tiros. Aos 44 anos, Heber Roberto Lopes iniciou na última semana a arrancada final. Vai pendurar o apito quando chegar, em julho de 2017, aos 45 anos de idade, sendo 22 deles dedicados ao futebol profissional. 
Apesar da imensa blindagem aos árbitros, Heber aceitou falar com a reportagem doGloboEsporte.com sobre tudo, da careca concebida num réveillon há 15 anos ("uma cagada", confessa) ao time do coração, o Londrina, que ele pede à Comissão de Arbitragem para não apitar os jogos. A final da Copa América, as reclamações de chilenos e argentinos, o pênalti perdido por Messi "quase fora do estádio" e a mentirosa farra com mulheres ("mulherada feia", destacou) publicada por um jornal peruano ainda estão na memória, assim como o equívoco assumido nesta entrevista naquele tão falado carrinho de Fágner em Ederson no Corinthians 4 x 0 Flamengo de dias depois. 
– Cometi um equívoco. 
Com 312 jogos de Série A de Campeonato Brasileiro – um recorde –, quatro finais de Copa do Brasil, 103 partidas de jogos Fifa e Conmebol, entre outras marcas, Heber revisitou a carreira em seus muitos momentos. Desde o início na Vila Recreio, em Londrina, onde ainda adolescente era apelidado de "Satanás" (nota: ele não gosta da alcunha que pegou quando o irmão assim o chamou após a fuga de um castigo), teve muitas vezes a segurança garantida por tiros de escopeta de uma senhora de 80 anos, passando por momentos tensos no futsal paranaense, como o dia em que foi agredido por um treinador e por torcedores em Arapongas (confira no vídeo abaixo com depoimento de Heber), até o futebol profissional, com escalas em sequência que o permitem atualmente viver apenas do esporte. 

As  lembranças da mãe – Ursulina Roberto Lopes –, falecida em 2012, são muitas. Da oposição ao trabalho de árbitro no início para o apoio total na sequência, servindo de motorista do filho que trocou as caneleiras pelo apito. A perda do pai – Brasil Fonseca Lopes – no mesmo ano da mãe, ainda dói. E a força vem muito do casamento com Ana Paula Lopes, esposa que já sofreu muito assistindo aos jogos do marido – e, por consequência as tradicionais críticas aos árbitros. Hoje, Heber aconselha que não veja as partidas para assim ficar longe dos calmantes. 
Na reta final de carreira, Heber já planeja o próximo passo. Estudante de jornalismo, falta pouco para fechar o curso e se candidatar a uma vaga como comentarista de arbitragem. Mas ele abre o leque, e virar treinador é uma das possibilidades. "Por que não?", questiona. Afinal, futebol é sempre complicado. E isso ele está careca de saber. 
Confira a entrevista:
O começo na arbitragem na Vila Recreio
Heber Roberto Lopes  (Foto: Acervo pessoal)Heber Roberto Lopes no início da carreira, ainda adolescente (Foto: Acervo pessoal)
– Não fui tão privilegiado na infância com relação à parte financeira, mas tive boa orientação na educação. Comecei muito cedo, na Vila Recreio, em 1985, com apenas 13 anos. O início foi por acaso, nunca imaginei ser um árbitro de futebol. Eu apitava os jogos da Revisora, uma equipe de uma empresa que joga até hoje aos sábados. O seu José Prestes, que é até hoje proprietário dessa empresa, foi a pessoa que me deu o apito. Num sábado, a pessoa que apitava faltou. Eu estava na beira do campo e o seu José me entregou o apito. No início fiquei receoso, mas me saí bem e no outro sábado a pessoa que apitava foi, mas eles falaram: “Não, põe o Heber pra apitar”. Minha mãe tinha um pouco de receio na época. Porque eram campeonatos amadores. E eu já fui agredido. Os campos não tinham alambrados, e de vez em quando nós tínhamos coisas graves como agressões.
O que aprendeu apitando na Vila Recreio que leva até hoje?
– Aqui o cara tinha que ser malandro, no bom sentido da palavra, lógico. Aqui era a Libertadores de Londrina. Tinha jogadas fortes, reclamações, brigas, tiro. Aqui eu aprendi muito na parte disciplinar. Quando eu cheguei para apitar o Campeonato Brasileiro, não me assustei tanto, porque eu falei: cara, quem apita na Vila Recreio apita em qualquer lugar do planeta. Aprendi com muitas jogadas de violência, cotovelada, briga, vila contra bairro. Foi uma lição muito prazerosa.
Heber Roberto Lopes  (Foto: Bernardo Pombo e Rodrigo Saviani)Heber Roberto Lopes leva o apito até no cordão (Foto: Bernardo Pombo e Rodrigo Saviani)

Tiros de uma senhora no campo garantiam a segurança
 Qualquer confusão que tinha nos jogos, a dona Ana partia armada e saía dando tiro para cima, isso com 75, 80 anos 
Heber, sobre uma vizinha que botava ordem nos jogos na Vila Recreio na base da bala
 – A Vila Recreio tinha algumas histórias sensacionais. Uma das mais legais era a dona Ana, que devia ter na época uns 75, 80 anos. Ela é mãe do Jacaré, que faleceu e foi uma das pessoas que me ajudou no começo. Qualquer confusão que tinha nos jogos, ela partia para cá armada e saía dando tiro para cima, isso com 75, 80 anos. São muitas histórias, coisas que hoje damos risada, mas na época era muito sério. Graças a Deus não tivemos nenhum problema maior. Mas, aqui na Vila Recreio era muito difícil, o campo era aberto, não tinha muita segurança. Tínhamos jogadores habilidosos, mas também tínhamos jogadas mais violentas. Tudo era mais difícil. A Vila Recreio tinha essa fama, muita gente falava que “se você não jogou na Vila Recreio, não jogou em lugar nenhum”. Assim, a gente tinha essa proteção. Vou ser sincero, sem isso seria impossível apitar futebol aqui na Vila Recreio. Se não tivessem a colaboração e a ajuda com essa segurança, seria muito difícil terminar um jogo.  
A mãe que foi contra no início passou a acompanhar do alambrado
– A minha mãe era totalmente contra porque ela achava que aquilo era muito pra mim. Mas meu irmão que era do karatê deu apoio, falou que o esporte era um bom caminho. E graças a Deus minha mãe pôde me ver apitando jogos importantes antes de falecer, em 2012. Ela me levou a muitos jogos quando não dirigia. Ficava no alambrado. E o estranho era quando um torcedor mais exaltado me xingava. Depois fui para o futebol de salão e em seguida para o campo, quando consegui começar a ajudar a minha família. 
Heber Roberto Lopes  (Foto: Acervo pessoal)Heber Roberto Lopes na década de 1990 no estádio do Café (Foto: Acervo pessoal)
O time do coração e o pedido para não apitar

– São quarenta anos em Londrina. Antes de me tornar árbitro da CBF, acompanhei muitos jogos do clube. Tenho um respeito muito grande. Profissionalmente eu poderia apitar, sim. Mas eu procuro evitar. Peço para o Sergio Corrêa, não só jogos do Londrina, mas jogos de alguma equipe que esteja disputando uma classificação junto com o Londrina. Eu sempre alerto o Sérgio para não me colocar, por ser morador da cidade e por ter amigos que foram dirigentes, presidente, jogadores, ex-jogadores. Porque Londrina, apesar de ser uma cidade com mais de 600 mil habitantes, é pequena. Todo mundo se encontra, não tem como. Mas já fiz jogos do clube, já fiz decisão da Copa Paraná contra o J. Malucelli. Valia vaga na Copa do Brasil e o Londrina perdeu. Eu prefiro evitar e acho que é melhor assim.
Agressão sofrida em jogo de futsal em 1991 (confira no vídeo acima)
Heber Roberto Lopes  (Foto: Reprodução youtube)Heber corre para não apanhar de torcedores em 1991 (Foto: Reprodução youtube)
– Nosso futebol de salão daqui é muito forte, agora não está tanto, mas já foi. Na época era um campeonato de 25 a 30 clubes. Era um jogo em Arapongas, eu estava de assistente. O árbitro era o Valter Luis, o popular Black, aqui de Londrina. Um jogador deu um chute por baixo e o outro uma cotovelada. Eu presenciei o fato. Eu levantei, chamei o Valter, e relatei a agressão. O Black poderia ter expulsado primeiro o jogador visitante e depois o local. Ele cumpriu a regra, mas faltou um pouquinho de procedimento. Ele expulsou o jogador local, e a torcida entendeu que só o jogador da casa seria expulso. Para expulsar o jogador visitante, ele foi lá para o outro lado da quadra. Mas aí a torcida já tinha invadido. E eu dei um azar danado porque depois eu fui correr e entrei num túnel sem saída. Tomei chute pelas costas, chute na região das nádegas. Foi uma lição. E inclusive a pessoa que me agrediu (Altair Sartori), nós nos encontramos depois. Ele foi no vestiário e foi só alegria e risada. Mas eu levo como lição, como ensinamento. Lógico que sou totalmente contra agressão, não só no futebol como em qualquer setor. Depois foi engraçado, mas no momento foi difícil porque eu pensei até em parar. Mas para os jovens árbitros eu falo que tem que ser persistente porque agora chega uma pedra mas depois pode vir uma flor. 
Dois anos lavando prato na Itália
– Eu fui para Itália em 1991 para tentar ser árbitro. Chegando lá eles até abriram as portas, só que eu ia começar na categoria de base. Eu pensei: lá no Brasil eu já apitei jogos de adultos, não vou fazer isso, não. Achei que fosse demorar, até pela parte de documentos, porque eu não tinha cidadania italiana. E mesmo assim fiquei dois anos trabalhando como garçom. Primeiro eu comecei lavando prato. Foi uma escola importante na minha vida. 
Heber Roberto Lopes  (Foto: Acervo pessoal)Heber Roberto Lopes lavando pratos na Itália no início da década de 1990 (Foto: Acervo pessoal)

A rotina de árbitro
– Assistir a jogo é obrigação, até para ter o perfil dos atletas, o esquema tático, saber como uma equipe joga. A preparação tem que ser uma coisa diferenciada porque eu completei recentemente 44 anos. Com 25 é uma coisa, com 35 é outra. Agradeço a Deus por nunca ter tido lesões graves, apenas musculares. Quando a escala sai, eu procuro saber a temperatura que vou enfrentar, estudar estádio, horário. A alimentação é regrada. Se você sai na segunda-feira para tomar um vinho com os amigos, sabe que na terça e na quarta tem que recuperar o que perdeu. Comer carboidrato e salada no dia antes dos jogos, ter uma noite bem dormida. Já fui mais rebelde nesse aspecto, hoje não dá mais para desrespeitar isso. É quase o que o atleta vive, só que nós somos amadores. Cada árbitro tem seu procedimento. Eu, por exemplo, tenho fisioterapeuta, nutricionista. A federação catarinense, através do presidente, doutor Delfim, me abre as portas com isso. Mas 90% dos meus companheiros não tem esse apoio. Sem dúvida com a profissionalização o rendimento seria bem melhor. 
Seria importante a profissionalização, para que os árbitros tivessem todos os pilares, mental, físico, de alimentação 
Heber, um crítico ao amadorismo da arbitragem
 Maiores dificuldades da vida de árbitro e a sonhada profissionalização
– Nos últimos cinco anos, tive o prazer de fechar um contrato com a federação catarinense, que me dá um apoio importante dentro do seguimento financeiro e social. Mas a maioria, não. A maioria tem que ter outro emprego. E a Fifa e a CBF são contra a pessoa depender só do futebol. Mas eu tive o prazer de ter muitas coisas graças ao futebol porque tive muitas escalas. Entrei jovem no quadro internacional e assim ficamos com um leque maior de escalas. Então eu tenho escalas da Fifa, da Conmebol, da CBF e da federação catarinense. Mas como um árbitro pode trabalhar numa empresa se muitas vezes ele viaja terça para um jogo quarta, volta quinta e na sexta já tem que sair de novo para o jogo de quarta? Por isso seria importante a profissionalização, para que os árbitros tivessem todos os pilares, mental, físico, de alimentação. Sem dúvida teríamos melhor treinamento e mais qualidade no campo de jogo. 
Heber Roberto Lopes  (Foto: Bernardo Pombo e Rodrigo Saviani)Heber Roberto Lopes aderiu à careca no réveillon de 2001 para 2002 (Foto: Bernardo Pombo e Rodrigo Saviani)

A careca
Foi uma cagada que fiz na vida, no réveillon de 2001 para 2002, na casa da minha sogra. Depois disso a coisa tomou uma proporção e eu nunca mais deixei o cabelo crescer
Heber, sobre a cabeça raspada
 – Foi uma cagada que fiz na vida, no réveillon de 2001 para 2002, na casa da minha sogra. Eu falei: vou fazer uma surpresa, vou raspar a cabeça. Peguei a maquininha lá e no meio do caminho ela pifou. Eu falei: e agora, o que eu faço? Aí eu peguei a lâmina e fui para a zero. Demorei quase uma hora. Hoje faço em cinco minutos. Eu mesmo faço. Na hora que eu cheguei para o réveillon eu quase perdi a família toda. Falaram "você tá maluco", "vamos internar". Porque meu cabelo era aqui (aponta o ombro). Muitos falam que foi por causa do Colina, mas o Colina apitou a final da Copa no meio do ano. E logo em seguida teve o Torneio Rio-São Paulo. E eu fiz um jogo de televisão. O saudoso Armando Marques, que foi muito importante na minha carreira, quase teve um piripaque. Depois disso a coisa tomou uma proporção e eu nunca mais deixei o cabelo crescer. Desde aquele réveillon eu sempre corto o cabelo antes dos jogos e virou uma rotina. Se eu não faço parece que está faltando alguma coisa. 
Qual é o melhor jogo para apitar?
– Libertadores é melhor porque os jogadores jogam mais, eles não ficam te complicando. Às vezes o jogador sofre uma falta, levanta e vai jogar. É um espírito diferente. Nós não apitamos jogos de equipes brasileiras, só de gente de fora. Você olha o relógio já passaram 15 minutos, depois quando vê já passaram 30. A coisa flui mais. E com o jogador brasileiro a gente tem que tomar cuidado com as simulações. 
Estudo do perfil dos jogadores que vai apitar 
– Temos que tomar cuidado com "preparado" ou "premeditado". Ir pra campo já querendo expulsar tal jogador não é justo, mas é importante saber o perfil do jogador. Por exemplo: eu fiz recentemente a final da Copa do Brasil entre Palmeiras e Santos, e eu assisti ao primeiro jogo, quando aconteceram alguns lances de difícil interpretação. Não estou criticando o companheiro, que é o Luis Flávio. Procurei ver os entreveros, as entrevistas, tudo isso é importante para chegar em campo preparado. Acredito que 99,9% dos árbitros sabem aquilo que vão enfrentar. Comportamento de jogador, de treinador, se é um jogo eliminatório, um gol pode fazer diferença, tirando ou não uma equipe da competição. 
Críticas nos programas esportivos depois que erra
Heber Roberto Lopes  (Foto: sportvvideo)Heber, ainda com cabelo, em entrevista em 1999 (Foto: reprodução sportvideo/youtube)
- Primeiro é o celular. Você depois do jogo vê que tem mais de 200 mensagens, ou alguém da família morreu ou alguma coisa aconteceu. Mas nós acompanhamos, sim. Para melhorar. Só tem uma maneira de você melhorar, assistindo àquilo que você se equivocou e rever qual foi o motivo. Mas eu acredito que o árbitro deveria ter o poder de, quando termina o jogo, participar da entrevista coletiva, dar a sua opinião sobre o que viu, mas a Fifa proíbe todo tipo de comentário técnico e a gente não pode tecer nenhum tipo de comentário. E agora, fazendo curso de jornalismo, eu entendo muito mais a função do repórter. Alguns até polemizam a situação, mas a maioria está te dando a oportunidade de dar a sua opinião em relação ao lance. O que deixa chateado é ver de um jornalista o desconhecimento das regras. Isso que magoa. Se acabasse o jogo e a gente tivesse a oportunidade de falar, de dar um esclarecimento, mataria o problema. Até para torcedor, dirigentes, presidentes de clubes, você dar a sua visão técnica do que aconteceu. 
A superstição: raspar o cabelo antes dos jogos
– No hotel, eu sempre procuro ficar do lado direito do quarto. Tem também o corte de cabelo. Eu sempre faço no dia do jogo, corto como se fosse fazer barba, com a lâmina. São detalhes. Superstição cada um tem a sua. O mais importante é sempre acreditar que existe uma força maior vinda lá de cima. Sou uma pessoa que acredita muito em Deus.
Farra com mulheres publicada por jornal peruano
Heber pegadinha jornal libero (Foto: Reprodução)Heber vai processar jornal peruano (Reprodução)
- Mulherada feia (risos). Eu estava em viagem, acabou o jogo lá em New Jersey. Fiz escala na Cidade do México e, quando liguei o celular, tinha milhares de mensagens. E quando eu vi as primeiras fotos, magoei. Porque quem acompanhou a Copa América viu que foi um motivo de muito orgulho apitar a final. Eu só queria comemorar, mas abrir o jornal e ver uma mentira daquela é uma coisa triste. Registramos a matéria em cartório, chegamos à origem. Agora só estou esperando para ver se entramos com uma ação aqui no Brasil ou lá no Peru. A advogada está estudando as leis do país para ver qual é a medida. Mas vamos entrar com uma ação sim, não só como pedido de retratação, mas pedindo uma indenização. Repercutiu em mais de 180 países e não é verdade. E quem escreveu tem que responder, ainda mais agora como aluno de jornalismo eu sei da responsabilidade com uma caneta. 
Já foi processado por algum erro em campo?
– Eu fiz um jogo uma vez, Santos e Botafogo (em 2005). Teve uma penalidade polêmica e foi gol. Passados 15 dias eu estava aqui em Londrina e chega uma intimação para o fórum de São Paulo. Um torcedor entrou na Justiça porque naquela época a Loteria Esportiva era com 13 jogos, ele fez 12 e errou só esse jogo. Ele entrou na Justiça querendo 9 ou 10 milhões, queria que eu pagasse o prêmio da loteria porque o pênalti que eu apitei não foi pênalti. Quando chegamos na frente do juiz, o juiz olhou para o rapaz e falou “Você não tem mais nada pra fazer não?”
Máfia do Apito(Em 2005, teve o nome citado na Máfia do Apito por Edilson Pereira de Carvalho, que aconselhou um empresário a apostar no time da casa porque Heber era caseiro)
Esse cidadão que eu nem gosto de citar o nome (Edilson Pereira de Carvalho) foi um mal para o futebol. Foi um câncer
Heber sobre o pivô da Máfia do Apito
 – Esse cidadão que eu nem gosto de citar o nome (Edilson Pereira de Carvalho) foi um mal para o futebol. Expôs a família, machucou bastante a mãe. Foi um câncer o que aconteceu. Foi um depoimento desastroso, mas que repercutiu. Naquele dia o Jornal Nacional foi feito praticamente dentro da minha casa. Foi uma bomba, "olha, o Heber também está com problema", e não foi nada disso. A Polícia Federal tinha mais de não sei quantas mil horas de gravação, porque eu tenho certeza que nossos celulares até hoje são fiscalizados e eu prefiro que seja assim. Naquela época abri meus sigilo bancário e telefônico e deixei à disposição para qualquer cidadão brasileiro verificar. Foi uma coisa que me deixou chocado e me trouxe muitos problemas. Depois, quando entrei em campo, o torcedor foi no embalo. Eu era xingado. Tivemos que refazer aqueles 11 jogos e foi difícil porque acabou mudando a classificação do campeonato. Tivemos que redobrar a segurança, cada dia ficar num hotel diferente, contratar seguranças para ida e saída dos estádios e até andar com segurança dentro do avião porque o negócio fugiu da normalidade. Esse cidadão colocou todos os árbitros do Brasil num prejuízo muito grande. Fomos execrados e tratados como bandidos. Mas na verdade foi uma coisa pontual porque a arbitragem brasileira é uma das mais honestas do mundo.
Heber Roberto Lopes  (Foto: Bernardo Pombo e Rodrigo Saviani)

Heber recebeu homenagem dos amigos na semana passada, em Londrina (Foto: Bernardo Pombo e Rodrigo Saviani)

Rótulo de "caseiro" (Beneficiar os times da casa) 
– Eu gostaria que se fizesse uma pesquisa, não só em meu nome, para ver o percentual de cada clube em casa. O mais importante são as decisões que tomei no campo. Não é por um percentual que você avalia a carreira de um profissional. O mais importante é pegar jogo a jogo, lance a lance.

Tite(No seu livro-perfil escrito pela jornalista Camila Mattoso, disse que não queria que Heber apitasse mais jogos de times dele. Durante cinco anos ou dez jogos, o Corinthians não venceu com Heber apitando)

Quando as coisas acontecem em favor de uma equipe, o comentário é nulo. Aí, de repente, quando acontece um equívoco, vão buscar todo um perfil e um histórico. Mas isso, com 44 anos, já consigo absorver e administrar 
Heber, sobre críticas de Tite
  Não tive acesso, tô até querendo comprar o livro. Comprar não, vou ver se consigo na internet porque não vou gastar dinheiro com isso e vou analisar, ver o comentário que foi feito. E se for alguma coisa pejorativa em relação ao meu nome, eu vou acioná-lo. Isso (sobre não querer nos jogos dele) é uma coisa normal, um direito que ele tem. Tem mais de 400 árbitros na CBF e ele tem todo direito de achar que A ou B é que deve apitar. Mas não é ele quem faz a escala. Não sei (o porquê de ele pensar isso). É uma questão de escolha, de gosto. Sempre foi uma pessoa educada e tranquila. E falando como profissional, merecidamente chega ao cargo de treinador da seleção brasileira. A minha preocupação e da comissão é quando a gente tem algum erro. Números, às vezes você apita jogos de uma equipe que ganha seis seguidas e ninguém vai tecer nenhum tipo de comentário. Se você tem uma sequência de erros contra uma mesma equipe, um problema você tem. Mas números são números. Eu apitei praticamente a decisão do campeonato (Atlético-MG 0 x 3 Corinthians) do ano passado. Tivemos uma tarde/noite maravilhosa. Teve até um lance do Tite que eu não estava entendendo o que aconteceu. Eu citei em súmula. Os torcedores que estavam atrás dele estavam cuspindo. E para você entender: quando as coisas acontecem em favor de uma equipe, o comentário é nulo. Aí, de repente, quando acontece um equívoco, vão buscar todo um perfil e um histórico. Mas isso, com 44 anos, já consigo absorver e administrar.

Reclamações do Flamengo sobre o carrinho de Fágner em Ederson na Arena Corinthians
Chegamos à conclusão de que houve a falta e era punível com o cartão amarelo. Eu cometi um equívoco. Essas coisas acontecem
Sobre carrinho de Fágner em Ederson
 – Seria importante poder depois do jogo dar uma entrevista coletiva. Eu estava na jogada, muito bem posicionado. No momento que acontece o choque, não há nenhum tipo de reclamação. A não ser do treinador no pós-jogada, porque eu sinalizo canto, o jogador fica no solo e ninguém reclama. O Alan Patrick está perto de mim, por exemplo. Ninguém questiona nada. Obviamente, após o choque, quando chegamos e visualizamos o jogador no chão, a gente viu que houve o choque. Depois, obviamente, eu fui cobrado pela comissão da CBF. Nós temos um avaliador de vídeo e chegamos à conclusão de que houve a falta e era punível com o cartão amarelo. Eu cometi um equívoco. Essas coisas acontecem, mas não era para tanto (A reclamação posterior do Flamengo). Tanto é que que um comentarista renomado, no momento da jogada, teceu um comentário. Depois, num programa esportivo nacional, pediu desculpa porque disse que, no jogo, ele tinha se equivocado. Para você ver como é que é. E nós temos dois segundos pra decidir se marca ou não marca. Mas realmente houve o choque e o jogador deveria ter recebido a sanção disciplinar e técnica. Mas o cenário poderia ser um pouco diferente em relação ao comportamento dessas pessoas. 



(Sobre Zé Ricardo, técnico do Flamengo, ter sido expulso). Foi citado em súmula também. Não foram palavras, mas gestos. Eu classifiquei como excesso. Solicitei que parasse por duas vezes e ele não parou. Sabemos que o árbitro tem que ter autoridade, não autoritarismo. E naquele momento eu poderia perder o controle do jogo. Se eu permito aquela situação, eu estaria permitindo a todos os jogadores que tivessem a mesma atitude. 
(Sobre Rodrigo Caetano) Foi uma reclamação, apenas duas palavras que estão na súmula. E logo em seguida ele saiu para o vestiário e não tivemos problemas mais. Não sei o que passa na cabeça desse cidadão, mas creio que está inerente ao cargo de diretor de futebol. Eu tenho que respeitá-lo desde que ele respeite o meu trabalho. Há maneiras e maneiras de reclamar e não concordar com uma situação. Mas num linguajar mais popular. Goela abaixo, querido, não vai ter sucesso nenhum. Nenhum árbitro vai se sentir pressionado por alguma coisa ali no vestiário. Uma abordagem mais educada tem um efeito muito maior do que da forma que foi feita.

Final da Copa América
Heber Roberto Lopes  (Foto: Bernardo Pombo e Rodrigo Saviani)
Heber joga pelada em Londrina com a bola da final da Copa América (Foto: Bernardo Pombo e Rodrigo Saviani)


– Lá na Copa América estavam árbitros de nome, brigamos entre aspas com grandes árbitros. Vivemos dia a dia, treinamento a treinamento. Sabíamos que tínhamos que ir bem jogo a jogo. Procuramos respeitar a alimentação, por exemplo, porque ficamos nos melhores hotéis dos Estados Unidos e se você não tiver um respeito à alimentação você acaba tendo uma mudança de peso. A Concacaf e a Conmebol fazem controle de peso a cada domingo e a gente procurava respeitar. Procuramos estudar bastante as mudanças recentes para não cometer nenhum tipo de equívoco, levamos a sério o dia a dia. E a coisa foi acontecendo. A seleção brasileira não fez um bom torneio, e isso abriu as portas para nós e aumentou a responsabilidade. Foi um dos jogos mais importantes da minha carreira. O estádio estava lotado, 88 mil pessoas, gente de renome assistindo. Sem falar na responsabilidade com a nossa comissão porque nós estávamos representando a entidade. 
Heber Roberto Lopes Messi Argentina x Chile (Foto: AP)Heber Roberto Lopes dá cartão amarelo para Messi na final entre Argentina e Chile (Foto: AP)
Reclamações de chilenos e argentinos

– O árbitro toma 190 decisões por jogo, alguma decisão pode ser um equívoco. Em uma ou outra você vai se equivocar. Mas eu acredito que no geral nós adotamos uma maneira equilibrada.
Até recebi uma crítica de uma pessoa gabaritada, comentarista de arbitragem, que eu entrei sorrindo, que eu entrei assim, assado, mas eu procurei utilizar um critério equilibrado, tanto para a equipe A quanto pra equipe B. E ao final do jogo o mais importante é que nós não interferimos no resultado. Agora, pontuar alguns erros, claro, alguma coisa por ventura pode ser que eu tenha me equivocado, mas de um modo geral nós adotamos um critério equilibrado na final. 
Dificuldade dos lances na final
– Quem apita Libertadores, apita qualquer competição do planeta. A maioria dos jogadores da final da Copa América joga na Europa, mas é incrível como quando coloca as suas camisas das suas seleções, a mudança radical de pensamento. O comportamento do jogador sul-americano no clube europeu é bem diferente de quando eles vêm jogar pela sua seleção. Nós sabíamos quais eram os jogadores mais habilidosos, quais faziam mais falta, estávamos preparados para tudo. Não teve uma bola que não foi disputada. Não tivemos nenhuma coisa desleal, cotovelada, mas tivemos expulsões. Eles se respeitaram bastante, mas disputaram a bola com muita força. 


Messi
– Um dos caras mais educados que apitei na minha carreira. Pela repercussão e pelo nome que tem. É muito educado com a arbitragem, com os adversários. Não traz problema durante o jogo. Questiona, claro, mas é normal. Eu o vejo com uma humildade muito acentuada. A gente vê jogadores com currículo bem menor e um comportamento totalmente diferente. Tive o privilégio de ter apitado no sub-20, na Colômbia, fiz uns três jogos dele, e agora nas Eliminatórias e Copa América. 
O que você sentiu vendo de perto o Messi perdendo o pênalti na final
– A bola foi quase fora do estádio. Assusta né? Você pensa: um jogador desse naipe, né? Mas ao mesmo tempo eu tenho que estar concentrado para as próximas cobranças. Eu tenho que ter anotação, fazer o controle, goleiro adiantou ou não. Eu tinha muitas atribuições. Mas ao término do jogo, uma imagem que me marcou foi ele ter ido para o banco de reservas, sentou e ficou sozinho. Aquilo me marcou porque você pensa: o cara representa o que representa. Nós sentimos essa dor dele de ter perdido, até porque a todo momento estava no telão.
Heber Roberto Lopes  (Foto: Acervo pessoal)

Heber Roberto Lopes nos Estados Unidos durante a Copa América (Foto: Acervo pessoal)


Como a família lida com a vida de árbitro e as críticas que recebe? Esposa sofre?
Minha esposa já ficou doente, tendo até que tomar remédios. Isso porque lia, acompanhava, assistia tudo, ouvia tudo, e isso não é bom
Heber, sobre o pedido para a esposa parar de ver seus jogos
 – Minha esposa já ficou doente, tendo até que tomar remédios. Isso porque lia muito,
acompanhava muito, assistia tudo, ouvia tudo, e isso não é bom. Hoje peço para
que não assista, mude de canal. Por isso que eu falo da responsabilidade de quem está
narrando, comentando. O torcedor nem tanto, porque a gente sabe que o torcedor é
passional. Mas o profissional que lida no dia a dia tem que entender que não está machucando
só o árbitro, o assistente, o profissional. Às vezes, ele está falando e machucando também família. Por isso eu peço, minha esposa já sabe, meus familiares também, acompanhem mas com um pouco mais de detalhe e sem muita ênfase naquilo que escuta.
Armando Marques, ex-chefe, fez Heber chorar com broncas

– Seu Armando fez a gente chorar muitas vezes (com broncas e cobranças). Não só eu, mas também o Paulo César Oliveira, o Leonardo Gaciba. Pode até perguntar que eles vão confirmar. Foi a pessoa que mais entendia de arbitragem, do árbitro, do ser humano. Não tinha papas na língua. Mas, ao mesmo tempo, ele conseguiu formar muitos árbitros. Ele nos tinha como filhos, com proteção. Se um clube fizesse uma reclamação, na outra rodada você ia apitar o jogo desse clube na cidade dele. Ele tinha essas loucuras. Foi uma pessoa que me ajudou muito. Era uma pessoa que muitos tinham como polêmico, com um comportamento diferente, mas para nós árbitros foi o melhor nome de dirigente esportivo de arbitragem brasileira e mundial.
Heber Roberto Lopes  (Foto: Bernardo Pombo e Rodrigo Saviani)

Heber com amigos da juventude na Vila Recreio (Foto: Bernardo Pombo e Rodrigo Saviani)
 Um exemplo de jogador brasileiro educado com a arbitragem
– O Romário sempre foi um jogador educado, por exemplo. Nunca esqueço, tinha um jogador que havia subido da base do Vasco, acho que era num Vasco e Cruzeiro. Deixei o jogo seguir porque considerei um contato normal, e o jogador questionou. Na hora o Romário deu uma dura no jogador. Você vê, um cara renomado, um líder, sabia a maneira certa de te abordar. 
Último ano na arbitragem e o futuro

– O presidente da Comissão de Arbitragem, Sérgio Corrêa, até batemos um papo recentemente,
tem um projeto para que eu fique além dos 45. Hoje eu posso dizer que fecharia o ciclo com 45 anos. Não é só o lado físico, é também o lado mental, as viagens, apitar o futebol é uma responsabilidade muito grande, a gente sabe de tudo isso. Tudo tem um prazo de validade. Eu estou programando, em todos os meus aspectos, para aos 45 anos encerrar o meu ciclo. Pretendo fechar o ciclo com 45 anos. Terminado isso, vamos ver o que Deus possa abrir portas. 
Heber Roberto Lopes  (Foto: Bernardo Pombo e Rodrigo Saviani)Heber Roberto Lopes (Foto: Bernardo Pombo e Rodrigo Saviani)
Meta principal pós-apito: comentarista de arbitragem

– Tanto tempo estudando as regras, é uma obrigação do árbitro entender, saber, não só as regras como o regulamento, o estatuto do torcedor. E é um campo que está aberto, temos hoje grandes comentaristas, o próprio Leonardo Gaciba, o (José Roberto) Wright recentemente saiu, mas foi um dos precursores que abriu esse campo. O seu Armando teve um pequeno período, mas o seu Armando falava algumas palavras impublicáveis e com o temperamento um pouco difícil. Tem o Arnaldo (César Coelho), enfim, o Paulo César (Oliveira). Eu vejo que esses companheiros estão abrindo uma porta muito importante para que outros. Teve o próprio Renato Marsiglia. Citar nomes é complicado, a gente esquece algum companheiro. Todos eles, não só da Globo como de outras emissoras que têm comentaristas. Eu acho que é um campo e uma coisa onde vou estar participando do futebol, e falando de um tema onde a gente domina. Acho que isso é o mais importante.

Pode virar treinador?

– Eu pretendo fazer o curso de treinador da CBF. Quem sabe? Tanto tempo dentro do futebol, com todo respeito aos treinadores, eu vejo que é uma coisa que não deve ser simples, não é fácil. Mas, por toda experiência que a gente tem. Obviamente, tem que montar uma comissão, não vai ser o Heber sozinho. Se eu for um treinador, vou procurar buscar pessoas com mais experiência para que agregue o nosso trabalho. Pode ser.
*Colaborou: Luciane Cordeiro

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